Webinário celebra 300 anos de Minas destacando liberdade e identidade cultural como aliadas para avanços da sociedade.
A contribuição dos povos originários e dos povos africanos na formação da identidade e história de Minas e sua influência no desenvolvimento econômico do Estado foram abordadas nesta sexta-feira (16) por participantes do webinário “Formação do Povo Mineiro: as Diversas Faces de um Mosaico em Construção”.
O evento foi realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em conjunto com instituições parceiras, como parte de uma extensa programação organizada pelo Legislativo para celebrar os 300 anos de Minas Gerais, completados oficialmente em 2 de dezembro de 2020 .
O webinário marcou ainda o Dia de Minas, celebrado em 16 de julho, data que remonta ao marco do povoamento da cidade de Mariana (Central), primeira capital do Estado e cidade considerada o berço da civilização mineira.
Representando o presidente da ALMG, deputado Agostinho Patrus (PV), a presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jesus (Psol), ressaltou a importância da discussão proposta.
“O Dia de Minas é um momento oportuno para discutir a formação do povo e sua influência na história, e foi uma decisão feliz tomar como ponto de partida os eventos dos 300 anos de Minas para avançarmos na compreensão de nossas origens identitárias“, afirmou a parlamentar.
Ela destacou momentos da ocupação territorial do Estado que viriam provocar mais à frente uma intensa urbanização e frisou que ao longo da história a diversidade na formação do povo mineiro contribuiu para marcas dignas de nota, tanto no patrimônio histórico e cultural, como de bens imateriais.
Lembrou que Congonhas, Ouro Preto, Diamantina (na Região Central) e o conjunto da Pampulha, na Capital, figuram na lista de patrimônio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Enumerou, ainda, saberes e formas de expressão que deram origem aos doces e bordados artesanais produzidos em Minas, passando pelo reconhecimento dos queijos artesais e da culinária, que originou o Dia da Gastronomia.
Por outro lado, a deputada afirmou que Minas teve uma ocupação intensamente marcada pela dependência do colonizador e por atividade econômicas de impacto, lembrou do uso da água para mineroduto e da atividade minerária, que segundo frisou trouxe dramáticas consequências sociais e ambientais para o Estado.
“Mas o conhecimento permitirá a construção de novos caminhos, com mais sustentabilidade”, pontuou a presidenta da Comissão de Direitos Humanos, também ressaltando que ciência, tecnologia e inovação, assim como a integração da academia com empresas, poderão trazer diversificação e tornar o Estado menos dependente da mineração.
“E que fique evidenciada a conciliação que tem caracterizado as lideranças históricas do Estado. Esse momento de radicalização da política exige atuação protagonista de Minas no País, para que o Estado ocupe lugar condizente com sua estatura”, afirmou Andréia de Jesus.
Ela encerrou sua participação destacando que a Assembleia de Minas tem deputadas negras pela primeira vez em sua história.
Reitora ressalta liberdade e uniâo
Sandra Almeida resumiu a diversidade da formação do povo mineiro recorrendo a escritores como Guimarães Rosa para frisar que “Minas é muitas”. Segundo ela, essa multiplicidade aliada ao valor dado à liberdade reforça a vocação natural de Minas.
“E a abertura da Assembleia, a casa do povo, tem relação com isso e vem junto com o conhecimento e o saber”, afirmou a reitora da UFMG ao considerar que a união entre o Legislativo e a academia é imprescindível.
“Essa pandemia mostrou a importância de instituições fortes estarem aliadas a favor da sociedade, e com certeza essas duas, a UFMG e a Assembleia, estão juntas a serviço da sociedade mineira”, frisou Sandra Almeida, citando outro escritor mineiro, Carlos Drummond de Andrade, para dizer “vamos de mãos dadas”, verso que para ela ilustra a parceria das duas instituições para vencer os desafios da atualidade, projetando o futuro.
Resistência e diversidade deixam legado
Também marcou o evento a participação do jornalista Américo Antunes, com o lançamento da obra de sua autoria “1720-2020: livro-reportagem das comemorações do tricentenário de Minas Gerais”.
A publicação narra os principais acontecimentos da programação comemorativa dos 300 anos de Minas Gerais pela ALMG, integrando a coleção de obras “300 anos de Minas Gerais”.
Américo Antunes situou vários momentos da história do Estado destacando, por exemplo, a importância da mineração, particularmente do ciclo do ouro e do diamante, no processo de ocupação territorial e na interligação do País, cuja ocupação era predominantemente litorânea até o século XVII.
Ressaltou que a exploração da mineração se deu por escravos no século XVIII, processo que se perpetuaria nas grandes fazendas de café, e pontuou que a ocupação do território foi marcada por constantes conflitos pela posse da terra, com diversos movimentos de resistência de negros, indígenas e quilombolas.
“A história mineira não é tranquila e nem um passeio por um território bonito e montanhoso, ela se constitui num processo de luta e confronto, com predomínio da supremacia branca, que formou uma sociedade com traços patriarcais e racistas, onde a desigualdade econômica e social é marcante“, analisou ele.
O jornalista disse que, paradoxalmente, os conflitos que deixaram essas marcas trouxeram também elementos de libertação, por meio de uma diversidade cultural pungente, de matizes indígenas, europeias e africanas, combinando elementos locais e globais.
Africanos tiveram papel intelectual importante
Por sua vez, a professora do Departamento de História da UFMG e curadora associada da Coleção de Arte Africana do Penn Museum, Vanicléia Silva Santo, iniciou sua participação no webinário lamentando as milhares de vidas ceifadas na pandemia quando já existem vacinas contra a Covind-19.
Na sequência, ela abordou contribuições de povos africanos na formação do povo mineiro ressaltando que eles contribuíram também intelectualmente para o progresso do Estado.
A despeito dessa influência, ela disse que a celebração de datas organizadas pelo poder público ainda levariam em conta a escolha seletiva de fatos e personalidades. A vontade de se parecer com o colonizador resultou, segundo ela, no culto a heróis brancos e homenagens a matadores de indígenas, que deram nomes a cidades e rodovias.
“Somente com a revisão da historiografia é que temos conhecido a história dos africanos. Muitos deles também possuíram escravos e joias e dominavam ofícios, não só braçais, mas também a tecnologia do ferro, que naqueles tempos era conhecida somente pelos angolanos”, exemplificou Vanicléia Santo.
Da mesma forma, a extração do ouro era um conhecimento específico trazido por africanos e consistia num trabalho intelectual, que requeria conhecimento técnico. “Não se pode mais pensar que entre africanos havia só trabalho braçal, eram também pensadores”.
Segundo ela, o conhecimento histórico sobre a formação de um povo pode ajudar a sociedade a construir o futuro refletindo sobre o passado e o presente, e servir de alerta para decisões que não deram certo.