O baixo valor proposto para a venda e as incertezas para produtores rurais e funcionários também foram debatidos.
O preço muito abaixo do valor de mercado sugerido para a venda da Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (CeasaMinas), bem como as incertezas em relação aos contratos de concessão de lojas e ao destino dos atuais funcionários foram algumas das questões levantadas em reunião sobre a privatização da empresa pública.
Também foram colocadas preocupações em relação a serviços essencialmente públicos, como regulação e fiscalização da comercialização e da distribuição de alimentos, hoje feitos pela CeasaMinas e sem garantia de continuidade sob a administração privada.
Os convidados da audiência pública, realizada nesta segunda-feira (13/9/21) pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), se colocaram contrariamente à venda da empresa.
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Atualmente a maior parte da CeasaMinas pertence ao governo federal, que já adiou por duas vezes o seu leilão, agora marcado para abril de 2022. Os participantes apontaram que a CesaMinas é estratégica para a segurança alimentar da população e, por isso, precisa ser mantida nas mãos do Estado.
A função principal da empresa pública que consta na descrição feita pelo governo federal para anunciar sua venda é a de serviços imobiliários, como explicitado por Sânia Reis, diretora do Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal no Estado de Minas Gerais (Sindsep/MG). Ela, porém, negou que essa seja a atividade da empresa. “Temos economistas, técnicos agrícolas e diversos profissionais que atuam na regulação e na fiscalização do mercado de alimentos, não temos corretores de imóveis”, disse.
Ao explicar as atividades realizadas pela CeasaMinas, Sânia Reis citou o Mercado Livre do Produtor, que tem mais de quatro mil agricultores cadastrados, pelo menos metade de agricultores familiares. Para muitos desses, o Mercado seria a principal ou a única porta de escoamento dos seus produtos.
Essas concessões perderão a validade com a privatização, segundo o economista do departamento financeiro do CeasaMinas, Wilson Guide, que apontou que os contratos, realizados em sua maioria em 2007, já previam esse cenário.
O encerramento das concessões seria, segundo tais contratos, compensado com indenizações, mas o valor dessas seria calculado a partir dos valores pagos ao Estado e não levariam em conta, por exemplo, as benfeitorias feitas nos galpões por cada lojista, que previa a estabilidade no local por mais de duas décadas.
Os dois convidados também apontaram que a CeasaMinas tem papel importante no cálculo do Valor Adiconal de Imposto (VAF), que incide sobre tributos cobrados pelo governo estadual e é calculado a partir da circulação de mercadorias entre as cidades.
As estatísticas produzidas pela empresa pública são usadas para o cálculo do VAF, que depois acaba revertido para os cofres municipais. “Mais de 70% dos municípios mineiros serão impactados se os cálculos do VAF não forem mais feitos e eu acho que a maioria dos prefeitos nem sabe disse”, afirmou Wilson Guide, lembrando que esse tipo de estatística, ligada à regulação, só pode ser feita pelo Estado.
Convidados denunciam sucateamento e preço irrisório proposto para venda
O presidente da Associação dos Produtores de Hortifrutigranjeiros das Ceasas do Estado de Minas Gerais, Ladislau Jerônimo de Melo, disse que a CeasaMinas é uma engrenagem que assegura todo o abastecimento alimentar de Minas Gerais ao garantir o encontro de pesquisadores, produtores e consumidores e ao fazer circular sementes, insumos e produtos agrícolas.
Ele ainda fez uma analogia com herdeiros de uma fazenda ao dizer que o Mercado Livre do Produtor, atualmente patrimônio do governo estadual, não será privatizado, mas passará a ser administrado pela empresa que comprar a Central de Abastecimento. “Porque um fazendeiro cuidaria do patrimônio do outro?” questionou dizendo que o Mercado já está sendo sucateado para a venda.
De acordo com Ronan Siuves Ferreira, diretor social da Associação Recreativa e Beneficente dos Empregados da CeasaMinas, toda a manutenção dos espaços da CeasaMinas era feita a partir do condomínio pago pelos lojistas. Esse condomínio era, em 2015, de cerca de R$ 17, o que em valores atualizados seria hoje cerca de R$ 24. Mas está sendo cobrado, ainda de acordo com o convidado, apenas R$ 10, de forma a impossibilitar a manutenção do patrimônio da empresa. A desvalorização, portanto, segundo ele e outros convidados, tem sido constante desde 2016.
Apesar disso, todos afirmaram que a CesaMinas é uma empresa lucrativa e não recebe nenhum dinheiro do governo federal.
“Temos um equilíbrio entre o privado e o público. O consumidor que vai lá não compra abacaxi do Estado, mas sim dos produtores e dos lojistas, da iniciativa privada. O papel do Estado, exercido pela CeasaMinas, é o papel público por natureza, de regular e fiscalizar as atividades”, disse.
Outro ponto levantado por todos os presentes foi o preço baixo estabelecido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDS) para a venda da empresa: R$ 253 milhões. De acordo com o deputado Betão (PT), a empresa já foi avaliada em mais de R$ 2 bilhões. Ronan Ferreira salientou que só de área livre nos terrenos da CeasaMinas se tem valor superior ao sugerido pelo BNDS, como as guias de IPTU poderiam provar.
Diálogo – A ausência de representantes do governo federal para ouvir os participantes e para esclarecer dúvidas foi criticada, em especial por nenhum representante ter também comparecido à primeira audiência sobre o tema na ALMG.
A falta de diálogo tem aumentado a ansiedade de muitos dos envolvidos no processo de privatização, em especial os funcionários, que, segundo a presidente da Associação Recreativa Beneficente da CeasaMinas, Maria Aparecida de Carvalho, não sabem sequer qual será o futuro dos seus contratos de trabalho.
O deputado federal Patrus Ananias (PT) também esteve presente na reunião e disse que a venda da CeasaMinas faz parte de um processo mais amplo de desmonte do Estado brasileiro com a venda de empresas como a Eletrobrás, Correios e várias outras. Ele sugeriu unificar as lutas contra as privatizações para impedir que se venda a soberania nacional com a entrega de empresas que são estratégicas.