Governo é criticado por falta de diálogo com a sociedade e por querer modelo criando 180 vagas para adolescentes, quando sobrariam vagas.
A proposta de parceria público-privada (PPP) para o sistema socioeducativo de Minas foi duramente criticada em audiência nesta terça-feira (29/11/), na Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Uma das críticas mais citadas é que não haveria falta de vagas para adolescentes em medida de privação de liberdade por ato infracional para justificar a construção e operação de novos centros pelo setor privado. Pelo contrário, sobram vagas, conforme criticou Ana Souza, da Defensoria Pública Especializada nos Direitos da Criança e do Adolescente em Ato Infracional de Belo Horizonte.
“Temos um sistema que não está sofrendo uma pressão para aumento de vagas e além disso a privação de liberdade é medida extremada e excepcional“, afirmou Ana Souza, para quem é preciso, sim, fortalecer as medidas educativas em meio aberto e políticas de prevenção.
Modelo prevê dois centros e 180 novas vagas
O Novo Socioeducativo, como é chamado o modelo de PPP para o setor, é resultado de parceria do Governo do Estado com o Governo Federal e o Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos (Unosps) e foi apresentado na reunião por representantes do Executivo Estadual e do escritório.
Segundo eles, o modelo prevê a construção de dois centros de internação pelo parceiro privado: um em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, e o outro em Santana do Paraiso, no Vale do Aço, cada um deles com 90 vagas.
O subsecretário de Atendimento Socioeducativo da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Pedro Ruano Leocadio Dias, disse que o projeto tem como objetivo central construir caminhos e oportunidades melhores para os jovens do sistema.
Em apresentação sobre o Novo Socioeducativo, Isabela Araújo, assessora sênior do escritório da Onu, acrescentou que a proposta é atuar a partir das vulnerabilidades dos adolescentes atendidos, num processo de responsabilização que permita sua reinserção social.
Ela ressaltou que o modelo prevê a capacitação voltada a profissões do futuro e orientação profissional, programas de aprendizagem e trabalho, preferencialmente que possam ser feitas fora do centro, definindo carga horária para as atividades e horas com a família.
Entre avanços, Isabela considerou a capacitação profissional, que será ampliada de quatro para nove áreas de atuação, e o acompanhamento dos jovens pelo Estado por um ano após deixarem o centro.
O parceiro privado terá como principais responsabilidades a construção e equipagem dos mesmos, com insumos e mobiliário; fornecimento de alimentação para adolecentes, servidores e visitantes, vestuário se necessário, transporte às famílias nos dias de visitas; atenção à saúde e contratação de cursos de formação profissional.
“Hoje dependemos muito de parcerias na base do voluntariado para inserir esses jovens em cursos, que serão adquiridos de empresas certificadas para esse fim”, defendeu a assessora do escritório.
Educação formal de acordo com a legislação vigente, avaliações periódicas de aprendizagem, aulas de produção criativa e de preparação para exames como o Enem também foram citados como avanços, além de fiscalização do parceiro privado por meio de indicadores que vão monitorar falhas na oferta e na qualidade dos serviços.
Coordenador técnico do Unosps, Bernardo Bahia defendeu que o modelo de PPP não configura privatização, sendo um mecanismo legal previsto e que permite contratar serviços e infraestrutura de forma conjunta para aumentar o impacto social do projeto.
Segundo ele, o edital da PPP ainda está em processo de elaboração, estando em fase de consulta pública aberta a todos os interessados até 14 de dezembro
Diálogo é cobrado
Além da questão das vagas, a Defensoria Pública e demais convidados ainda denunciaram que não houve diálogo do Governo do Estado com representações da sociedade para discutir o novo modelo. E reivindicaram ao subsecretário a suspensão de audiência marcada para 7 de dezembro, marcada pelo Governo do Estado, mas segundo eles sem fala aberta à sociedade.
A reivindicação é que essa data seja destinada a uma reunião de apresentação do modelo à sociedade, marcando o início de uma série de audiências.
Essa também foi a cobrança de Vitória Maria Corrêa Murta, articuladora do Coletivo Densinterna Minas Gerais. Ela leu carta aberta assinada por movimentos de defesa de direitos humanos e de crianças e adolescentes de vários estados do País contra PPPs no sistema socioeducativo.
“Jovem não é mercadoria, e queremos a imediata suspensão desse processo racista e classista, que representará um retrocesso”, frisou Vitória.
Segundo ela, o novo modelo altera a lógica do caráter excepcional da internação e visa o lucro para o parceiro privado, às custas principalmente da juventude negra e da periferia, que Vitória disse já ser uma parcela discriminada e maioria no sistema socioeducativo.
Desabafo
No mesmo sentido, a representante da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, Maria Teresa dos Santos fez um desafabo. “A sensação aqui é que estou sendo picada por um monte de cobras e estou assustada que a ONU tenha tomado partido de algo tão racista e discriminatório“, afirmou ela.
Também coordenadora da Campanha Flores no Cárcere e integrante da Colisão Negra por Direitos, ela defendeu a importância do acesso dos adolescentes à escola de qualidade, em seu próprio território.
Já Thaisi Bauer, coordenadora da Coalizão pela Socioeducação, manifestou preocupação com repactuação que teria sido feita entre o Governo do Estado e o Ministério Público, para abertura de novas vagas no sistema.
“É um caminho perigoso porque mercantiliza a vida desses jovens do socioeducativo“, avaliou ela, defendendo que a ALMG fiscalize essa repactuação.
Sindicalista defende instalação de CPI
O presidente do Sindicato dos Auxiliares, Assistentes e Analistas do Sistema Prisional e Socioeducativo, José Lino Esteves dos Santos, defendeu a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na ALMG para investigar uma série de “obscuridades e ilegalidades” que, segundo ele, estão associadas à opção do Estado de gestão da área por meio de PPPs.
Em sua fala, ele relacionou várias supostas irregularidades que vão desde o sucateamento do serviço para viabilizar a privatização até o exercício irregular do poder de polícia pelo setor privado.
Já a presidenta do Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo do Estado de Minas Gerais (Sindsisemg), Luzana de Assis Moreira, cobrou, entre outras demandas, mais respeito do Executivo pelo servidor.
Por fim, Isadora Salomão, relatora nacional de Direitos Humanos da Plataforma Dhesca Brasil, uma rede de 45 organizações da sociedade civil, lembrou que a experiência e estudos da entidade não referendam o modelo agora cogitado pelo Executivo estadual.
No encerramento da audiência, a deputada Beatriz Cerqueira informou que nova audiência sobre o tema deve ser agendada na Comissão de Educação para que as famílias dos adolescentes possam ser ouvidas.
Ela também apresentou requerimento solicitando que o governo estadual acate recomendação da Defensoria Pública e suspenda audiência pública sobre o tema já agendada para 7 de dezembro.
Massacre em Aracruz repercute
A deputada Beatriz Cerqueira abriu a audiência com um minuto de silêncio pelas vítimas do massacre ocorrido em escolas de Aracruz, no Espírito Santo, onde um adolescente de 16 anos armado invandiu três escolas, atirou matando quatro pessoas e deixando mais de dez feridas.
“Um massacre brutal e bárbaro contra a escola, que é o lugar da vida, da diversidade e do encontro e foi atingida dessa forma”, frisou.
A deputada ainda questionou como o adolescente teve acesso fácil à arma e munição e alertou para a apologia ao nazismo no massacre no ES e presente ainda na invasão ocorrida nessa madrugada na Escola Municipal José Silvino Diniz, em Contagem (RMBH), pichada com símbolos nazistas e referências a Hitler.
Denise Romano, coordenadora do SindUte/MG, afirmou que, em quatro anos, 15 pessoas, entre professoras, alunos ou trabalhadores no ensino, foram mortos no País em ataques com armas de fogo, a maioria mulheres.