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domingo, novembro 24, 2024

Detentos e adolescentes acautelados celebram aprovação universitária com as notas do Enem PPL

Jovem de 19 anos do sistema socioeducativo conquistou o primeiro lugar no curso de Engenharia Elétrica, em Unaí

Nas penitenciárias e nas unidades socioeducativas de Minas Gerais, administradas pela Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), detentos e adolescentes acautelados têm acesso ao estudo regular, por meio das atividades elaboradas por professores da Secretaria de Estado de Educação (SEE). Mas muitos que concluem o ensino médio desejam ir além: almejam a aprovação também no ensino superior. Em janeiro deste ano, a busca pela sonhada vaga em uma faculdade moveu mais de 5 mil detentos e jovens em cumprimento de medida socioeducativa de internação a realizar o Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL). Alguns alcançaram o objetivo e já estão iniciando os estudos.

Aniel Santos, de 33 anos, é um deles. Ele, que cumpre sua sentença dentro da Penitenciária Dênio Moreira de Carvalho, em Ipaba, no Vale do Rio Doce, conta que não conseguiu concluir o ensino médio na juventude por conta de responsabilidades sociais. “Casei novo, tive que trabalhar e passei por dificuldades. Terminei o ensino médio aqui, na escola da unidade. Havia parado no primeiro ano”. Em seguida, Aniel recebeu apoio da família para pagar uma faculdade particular. Iniciou a graduação em Administração, se dedicou para o Enem PPL e acaba de conquistar uma bolsa pelo Programa Universidade Para Todos (Prouni) para o mesmo curso. “Desde criança tenho o sonho de administrar uma empresa. Será uma oportunidade a mais quando sair do sistema prisional. Quero continuar trazendo orgulho e felicidade para a minha família, que me apoiou até aqui”.

Tiago de Assis, de 33 anos, também está na Penitenciária de Ipaba. No segundo semestre de 2022 começou o curso de Gestão da Qualidade, com o suporte financeiro da família, e acaba de conquistar uma bolsa para Engenharia de Produção pelo Prouni. “Tirei o segundo grau em 2007. Não estava muito por dentro das matérias; mas a pedagoga da unidade me cedeu as apostilas e me esforcei muito”. Antes da detenção ele já atuava na área industrial, como mecânico montador. Agora, quer usar a qualificação na área.

“Sempre tive o sonho de estudar, fazer engenharia, mas às vezes fazemos outras escolhas. O estudo dentro do sistema prisional é importante, não apenas para os que estão fazendo uma faculdade, mas também para os que não tiveram acesso a qualquer nível de educação. Foi uma grande porta aberta na minha vida. Quero mostrar para todos que existe um caminho que é fora do crime. Muitos desacreditam da gente, nos julgam apenas pelo passado”.

A diretora de Atendimento da Penitenciária de Ipaba, Natália Santos, conta que, atualmente, há 19 detentos fazendo faculdade dentro da unidade. A maioria é bolsista do Prouni: seis entraram no Prouni em 2022, oito este ano e cinco usam recursos particulares. “Eles concorreram a nível nacional, sem qualquer tipo de privilégio. Para esse resultado, o trabalho conjunto da equipe técnica com a escola e a família é fundamental”, observa a diretora.

Oportunidades

Wesley Brito, de 32 anos, é um dos quatro aprovados este ano no Presídio de Itaobim, no Vale do Jequitinhonha. Os bolsistas passaram no Prouni para Serviço Social, Ciências Contábeis, Administração e Farmácia – curso escolhido por Wesley. Ele diz que sempre almejou cursar uma faculdade, mas nunca teve condições financeiras. “Essa bolsa cria uma nova perspectiva de vida. Abre um leque de opções para que eu possa estudar, me formar, me tornar um profissional qualificado, atingir meus objetivos, ter uma carreira e seguir a vida adiante”.
O diretor-geral do Presídio de Itaobim, Clayton Cardoso, acredita que fomentar essas oportunidades é fundamental para o processo de ressocialização dos detentos. “Isso é de grande valia para o indivíduo, que muitas vezes está sem perspectiva. É uma quebra de paradigma. Há 25 anos quem diria que o indivíduo privado de liberdade poderia cursar o ensino superior? Estamos vivendo um momento ímpar no sistema prisional, sobretudo no sistema prisional mineiro, que tanto prega esse processo de ressocialização e nos incentiva, enquanto diretores, a lutar para que esses indivíduos possam ter voz e vez”.

Socioeducativo 

Aprovado em primeiro lugar no curso de Engenharia Elétrica, em Unaí, no Noroeste de Minas, pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), Benjamin Natanael*, de 19 anos, conta que pode ser o primeiro da família a concluir o ensino superior. “Minha mãe está orgulhosa. Apenas um dos meus quatro irmãos começou a faculdade, mas ainda não finalizou. Infelizmente ele teve que trancar por um tempo, depois do nascimento da minha sobrinha”, compartilhou.

O jovem, que desde a infância tem facilidade com ciências e matemática, disse que precisou se dedicar mais para o preparo da redação – seu maior desafio. Para isso, contou com a ajuda dos professores da escola, instalada dentro do Centro Socioeducativo de Unaí, e da pedagoga que compõe a equipe técnica da unidade. O estudo trouxe sonhos. “Espero abrir muitas portas e conquistar novas oportunidades. Quero ser um profissional de excelência”.

Geane Mendes, diretora-geral do Centro Socioeducativo de Unaí, afirma que a equipe técnica, em parceria com a Escola Vigário Torres, que tem um segundo endereço dentro da unidade, trabalha sempre para o resgate dos vínculos escolares dos jovens em cumprimento de medida de internação. “Essa é uma das finalidades da medida: ressignificar a trajetória do adolescente, profissionalizando-o e qualificando-o, para que retorne ao convívio social em condições dignas”, destacou a diretora.

Ela conta que a aprovação também tem reflexo positivo na medida de outros adolescentes. “A cada dia se sentem mais otimistas, na perspectiva de ingressarem em uma universidade”.

*Nome fictício para preservar a identidade do jovem, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

 

Crédito das imagens: Sejusp / Divulgação

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