Participantes de audiência criticam termos de contratos celebrados pelo Executivo com concessionária, que sem implementar melhorias significativas está tarifando até veículos das prefeituras.
Na impossibilidade de repactuar os termos de duas concessões de rodovias no Triângulo Mineiro e no Sul de Minas, o que seria o ideal, a criação de uma agência reguladora em âmbito estadual, independente do Poder Executivo, para fiscalizar a atuação da concessionária EPR, é a única esperança de moradores e lideranças dessas duas regiões.
Esta foi a conclusão da audiência da Comissão de Transporte, Comunicação e Obras Públicas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), realizada na tarde desta quinta-feira (26/10/23), que reuniu dezenas de deputados estaduais e federais, prefeitos e outras lideranças dessas duas regiões, na quase totalidade revoltados com o início da cobrança de pedágio sem que inúmeros problemas ao menos começassem a ser resolvidos.
A reunião atendeu a requerimento da deputada Maria Clara Marra (PSDB), vice-presidenta da comissão, e do deputado Rodrigo Lopes (União).
A lista de irregularidades lembradas ao longo do debate é longa:
- asfalto em péssimas condições e buracos
- falta de sinalização e de acostamento
- ausência de prestação de serviços como guincho e socorro médico
- praças de pedágio com poucos postos e sem atendimento ao usuário
- cobrança automática e causadora de congestionamentos quilométricos
- localização de algumas praças de pedágio, que dividiram os municípios.
Também foi lembrado que a concessionária não tem nenhuma obrigação contratual de duplicar a totalidade dos trechos privatizados e, para piorar, foi autorizada a cobrar tarifas caras que estão sendo exigidas até mesmo de veículos oficiais de dezenas de prefeituras dessas regiões, como de transporte de pacientes e estudantes, com relatos de que até mesmo ambulâncias do Samu em atendimento estão sendo retidas.
Apenas veículos oficiais do Estado estão isentos. Na audiência, foi lembrado que nas concessões de rodovias federais feitas pela União os veículos municipais em serviço não são cobrados.
Foram dois lotes arrematados no ano passado pela EPR no âmbito do Programa de Concessões Rodoviárias, formatado pelo Executivo. E, para viabilizá-los economicamente, segundo relatado na audiência, foram inclusive estadualizados trechos de rodovias federais, que têm maior fluxo de veículos.
No Triângulo, o lote reúne as BRs 365 e 452, MGs 190 e 427, MGCs 452 e 462 e LMGs 82, 798 e 812, entre cidades como Uberlândia, Araxá, Uberaba, Patrocínio, Perdizes, Nova Ponte, Santa Juliana, Planura e Conceição das Alagoas.
A cobrança, que vai de R$ 6,35 (moto) a frações de R$ 12,70 (carro ou por eixo adicional, segundo o site da concessionária), deveria ter começado nas primeiras horas da última segunda-feira (23), mas foi suspensa por uma liminar da Justiça, após ação civil pública do Ministério Público.
Curiosamente, a derrubada da liminar foi anunciada ao longo da audiência da Comissão de Transporte, o que aumentou a indignação dos participantes. Não há informações ainda de quando a cobrança será retomada pela concessionária.
Segundo a deputada Maria Clara Marra, a ação foi resultado de pedido da Prefeitura de Patrocínio, segundo ela a única que, desde o início da modelagem, questionou os termos das concessões. O prefeito local, o ex-deputado estadual Deiró Marra, foi um dos participantes da reunião.
Maria Clara Marra lembra que todo o processo de concessão foi feito muito rapidamente e sem consulta às lideranças e à população. Ela e o colega Rodrigo Lopes fizeram várias críticas à atuação do ex-secretário de Estado de Infraestrutura, Mobilidade e Parcerias (Seinfra), Fernando Marcato, que, segundo eles, teria feito promessas de melhorias que depois não constaram dos editais de concessão.
Um dos problemas mais graves citados pela parlamentar é a não duplicação integral da ligação da BR-365 entre Uberlândia e Patrocínio, chegando até Patos de Minas (fora da concessão). Somente este último trecho não concedido já estaria sendo duplicado, mas pelo governo federal.
Segundo Maria Clara Marra, estudo da Universidade Federal de Uberlândia, apresentado na época de modelagem e supostamente ignorado pelo Executivo, teria atestado a necessidade urgente de duplicar o trecho para eliminar um gargalo do desenvolvimento econômico e diminuir a ocorrência de acidentes.
Em vez disso, de acordo com ela, somente 36 quilômetros devem ser duplicados do trecho de cerca de 130 quilômetros entre Uberlândia e Patrocínio: 26 quilômetros a partir de Uberlândia (no prazo de até cinco anos) e outros 10 quilômetros a partir de Patrocínio (no prazo de oito anos).
No caso deste último, segundo a parlamentar, a previsão vai até o trevo da MGC-462, faltando ainda dois quilômetros para de fato se atingir o real acesso ao município.
A parlamentar ainda contrapôs, com a exibição de um vídeo, justificativa do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG) de que, para liberar a cobrança de pedágio, teria acatado evidências de melhorias apresentadas pela concessionária.
No Sul de Minas, o lote concedido à EPR congrega BR-459, MGs-173, 290, 295, 459 e 455, MGC-146 e LMG-877, interligando cidades como Poços de Caldas, Pouso Alegre, Andradas, Jacutinga, Monte Sião, Bueno Brandão, Paraisópolis, Santa Rita do Sapucaí e Itajubá.
Na região, a cobrança de pedágio começou no dia 9 de outubro e as tarifas começam em R$ 4,60 (motos) e depois em frações a partir de R$ 9,20 (carros ou por eixo adicional).
“Sem uma agência reguladora, quem vai dizer que o valor cobrado está correto? A pessoa deve pagar pelos quilômetros que ela usa da rodovia, não um rateio por toda a concessão”, pontuou o deputado Rodrigo Lopes, lembrando que o assunto é urgente porque a adesão iminente do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal pode inviabilizar a criação da agência devido à necessidade de se criarem cargos na nova estrutura.
Na reunião da Comissão de Transporte, foi proposta ainda uma frente parlamentar em prol da criação da agência reguladora das concessões rodoviárias.
O deputado lembrou que a cobrança de pedágio no Sul de Minas começou sem nenhum aviso prévio e até agora são frequentes as filas de até três quilômetros pela falta de cabines, ausência de cobrança automática e muita desinformação dos usuários sobre itens como um programa de usuários frequentes.
Segundo ele, o que está sendo cobrado são obras estruturantes esperadas numa concessão, mas apenas as duas rodovias federais estadualizadas terão uma terceira faixa de acostamento, enquanto as estaduais não terão sequer essa intervenção. “Não sou contra essas concessões e respeitamos a segurança jurídica dos contratos. Mas estamos sem opções. Um processo judicial será a última alternativa”, afirmou.
Ao longo da reunião, os deputados estaduais Luizinho e Ulysses Gomes (ambos do PT), Betinho Pinto Coelho e Professor Cleiton (ambos do PV), Doutor Paulo (Patri), Caporezzo (PL), Mauro Tramonte (Republicanos) e a deputada Lud Falcão (Podemos) – que fez o anúncio da queda da liminar – se posicionaram criticamente sobre o início da cobrança de pedágio.
Como contraponto, o deputado Dr. Maurício (Novo) lembrou que as concessões mineiras seguiram a inspiração do modelo adotado em São Paulo. Ele ainda disse que a licitação ficou sem interessados duas vezes antes de ser concretizada, o que teria levado o Executivo a melhorar as condições para o futuro concessionário. Na mesma linha, o deputado Bosco (Cidadania) disse que a concessão foi a “resposta mais rápida e louvável” possível do Executivo.
Trabalho ainda está no início, alega concessionária
No fim da reunião, o presidente do Grupo EPR, José Carlos Cassaniga, exibiu uma apresentação para defender a complexidade das concessões, que começaram efetivamente somente em fevereiro deste ano. Segundo ele, nas duas regiões ainda estão sendo realizados apenas os trabalhos iniciais de correções funcionais das rodovias, que têm prazo de dois anos.
Na sequência, a próxima etapa será ainda de recuperação de estruturas, como pontes e viadutos, mas paralelamente começarão os investimentos para ampliação, seguida depois pela manutenção, sempre limitados, segundo ele, ao que está previsto nos contratos celebrados.
José Carlos disse que a empresa está aberta a sugestões de aprimoramentos, inclusive para avaliar isenções de veículos de prefeituras, e lembrou que estão previstos investimentos totais, pelo prazo de 30 anos, de R$ 5,8 bilhões no Triângulo e R$ 4,5 bilhões no Sul do Estado.
Por fim, o titular da Seinfra, Pedro Bruno Barros de Souza, defendeu a importância das concessões para garantir segurança e trafegabilidade das estradas mineiras por prazos bastante longos.
Ele disse que o Executivo está vigilante para garantir o cumprimento dos contratos de concessão e prometeu, nos próximos dias, que a Seinfra vai reforçar a fiscalização in loco das concessões que foram tema da audiência.