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sábado, novembro 23, 2024

Violência doméstica é pandemia dentro da pandemia

Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher discute alternativas para combater problema, agravado por confinamento.

Uma pandemia dentro da pandemia. A definição, feita por uma das convidadas da audiência pública realizada na manhã desta sexta-feira (13) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), resume bem o que se tornou a violência doméstica e familiar, tendo como vítimas sobretudo as mulheres, em meio ao isolamento social decorrente da pandemia de coronavírus.

O debate, realizado no Auditório José Alencar, atendeu a requerimento da presidenta e da vice-presidenta da comissão, respectivamente as deputadas Ana Paula Siqueira (Rede) e Andréia de Jesus (Psol), e ainda das deputadas Leninha (PT) e Ione Pinheiro (DEM).

Também fez parte de uma série de eventos institucionais que marcam os 15 anos da Lei Maria da Penha (Lei Federal 11.340, de 2006). A norma é um marco para o enfrentamento da violência doméstica no Brasil e traz tanto medidas de repressão, voltadas aos agressores, como medidas de proteção, voltadas às mulheres e às crianças vítimas de agressão.

A deputada Ana Paula lembrou que, no primeiro semestre de 2021, o feminicídio foi o único crime que registrou aumento no Estado, segundo dados da Polícia Militar. Em média, são registrados, por dia, 400 boletins de ocorrência sobre violência doméstica em Minas Gerais. Segundo a parlamentar, apesar de a Lei Maria da Penha ter sido considerada a terceira melhor norma desse tipo no mundo, o país ocupa a quinta posição mundial no ranking de violência contra as mulheres.

Entre os participantes do debate, foi consenso que as mulheres são as mais impactadas durante a pandemia e que as agressões e assassinatos são apenas a face mais crua dessa realidade, precedida pela perda de empregos e sobrecargas de diversas ordens.

A deputada citou, por exemplo, dados da pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada em todo o país pelo Datafolha a pedido do Fórum Nacional de Segurança Pública, e que chegou em 2021 a sua terceira edição.

Pesquisa – Segundo o levantamento, em torno de uma a cada quatro mulheres brasileiras (24,4%) acima de 16 anos afirma ter sofrido algum tipo de violência ou agressão nos últimos 12 meses, durante a pandemia de Covid-19, o que representa dizer que cerca de 17 milhões de mulheres sofreram violência física, psicológica ou sexual no último ano.

A estimativa é de que 4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes. Isso significa que a cada minuto, oito mulheres sofreram agressão física no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus.

Ana Paula acrescentou que, segundo a pesquisa, cinco em cada dez brasileiros (51,1%) relataram ter visto uma mulher sofrer algum tipo de violência no seu bairro ou comunidade no período pesquisado. O estudo aponta ainda que 48,8% das vítimas relataram que a violência mais grave vivenciada no último ano ocorreu dentro de casa, percentual que vem crescendo. Outro dado preocupante é que 44,9% das mulheres não fizeram nada com relação à agressão.

“Precisamos melhorar a infraestrutura do Estado de intervenção emergencial e de acolhimento dessas mulheres. E, paralelamente, combater a questão cultural que leva muitas vezes a que o próprio agressor não se reconheça como autor da violência”, lamentou.

Efetividade – Para a deputada Leninha, ainda falta efetividade nas políticas públicas sobre o tema. “Isso se faz sobretudo com orçamento, apontando prioridades, e o papel da Assembleia é importante nesse sentido”, destacou.

“Estamos enfrentando um problema estrutural da nossa sociedade, fruto dessa cultura do patriarcado que vem isolando e matando as mulheres, sobretudo as negras, pobres e periféricas”, acrescentou a deputada Andréia de Jesus.

Assassinato de professora levou a criação de rede de apoio

Ao longo da audiência foram feitos diversos relatos de iniciativas para conter a violência contra a mulher, tanto por parte dos órgãos do Estado quanto da sociedade civil, mas a conclusão é de que ainda são insuficientes.

“É uma pandemia dentro da pandemia. O ideal é que não precisassem morrer mais mulheres para a sociedade entender que essa é uma prioridade e se mobilizar para a luta”, afirmou a coordenadora da Rede Comunitária de Apoio às Mulheres de Sarzedo e Região e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos das Mulheres de Sarzedo (RMBH), Andreza Costa.

Também vítima da violência, ela criou a rede em 2018 na sequência da comoção provocada na cidade pelo feminicídio da professora Claudiane Silva Cardoso Ferreira pelo ex-namorado, em 5 de setembro daquele ano. O trabalho da rede tenta garantir às vítimas um canal de denúncia e o acesso a serviços de acolhimento, por meio de parcerias com órgãos públicos e entidades privadas.

“Mas nossa experiência nos diz que a solução do problema vai muito além de mais recursos para a segurança pública e justiça, passa também por ações em outras áreas, como saúde e educação, para que meninos e meninas entendam melhor essa violência e parem de reproduzir o machismo. A ferida às vezes é maior do que a marca no corpo”, afirmou Andreza.

RMBH – Com atuação sobretudo em Ribeirão das Neves (RMBH), a secretária-geral da Comissão Estadual da Mulher Advogada da OAB/MG, Caroline de Freitas Vidal, cobrou maior oferta e integração dos serviços públicos. “Para a maioria das mulheres vítimas de violência, denunciar os agressores ainda é ficção. Se denunciar, quem vai garantir a ela respaldo depois disso?”, questionou.

Em Contagem (RMBH), muito já foi feito, mas os desafios persistem, segundo a subsecretária de Prevenção e Segurança da Secretaria Municipal de Defesa Social, Daniela Tiffany Prado de Carvalho. “Estamos trabalhando dentro de uma perspectiva de cidade segura para as mulheres. O que deixamos de fazer simplesmente por nos sentirmos inseguras pelo simples fato de ser mulher?”, relatou.

WhattApp – Em outra frente de luta, a escrivã da Polícia Civil, Ana Rosa Campos, que atua em Manhuaçu (Zona da Mata), apresentou o serviço de denúncia de violência contra a mulher denominado “Chame a Frida”, idealizado por ela e que já funciona em seis cidades.

O “Chame a Frida” permite o atendimento emergencial intuitivo e desburocratizado às vítimas por meio do aplicativo WhattApp. O sucesso foi tanto que ele agora pode ser estendido a todo o Estado por meio do Projeto de Lei (PL) 2.149/20, do deputado Marquinho Lemos (PT), que tramita na ALMG.

A subsecretária de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Andreza Rafaela Abreu Gomes, listou projetos e ações do Executivo na área, mas reconheceu que as diferentes realidades sociais e financeiras nas diversas regiões do Estado são um complicador.

Uma das iniciativas, em tempos de pandemia, é o aplicativo MG Mulher, que também busca dar suporte às vítimas por meio da criação de uma rede de apoio, serviços e rápido contato em caso de violação de direitos.

Diagnóstico – O aplicativo também foi lembrado pela chefe da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso e à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância, órgão da Polícia Civil, delegada Isabella Franca de Oliveira.

Ela acrescentou ainda que está em andamento atualmente um diagnóstico in loco da infraestrutura e funcionamento de todas as delegacias de mulheres do Estado.

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